São Paulo. 19 milhões de habitantes. 200 quilômetros diários de engarrafamento. 300 mil motoboys. No coração de uma das maiores metrópoles do mundo, quatro irmãos tentam reinventar suas vidas. Reginaldo, o mais novo, procura obstinadamente seu pai, que nunca conheceu. Dario, prestes a completar 18 anos, sonha com uma carreira como jogador de futebol profissional. Dinho, frentista em um posto de gasolina, busca na religião o refúgio para um passado obscuro. Dênis, o irmão mais velho, já é pai de um filho e ganha a vida como motoboy. No centro desta família está Cleusa, 42 anos, grávida do quinto filho. Ela trabalha duro como empregada doméstica enquanto luta para manter os filhos na linha. Para sobreviver à brutalidade de uma cidade onde as oportunidades se afunilam, eles só podem contar um com o outro.
Entrevista com os diretores
WALTER SALLES: O projeto surgiu em 2002, pouco antes das filmagens de Diários de motocicleta. Ele nasce em função de vários desejos: voltar a trabalhar com Daniela Thomas, voltar a colaborar com Vinícius Oliveira depois de Central do Brasil, voltar a falar do país dez anos depois de Terra estrangeira. Nesse meio tempo, a descoberta dos documentários Futebol, que aborda as “peneiras” nos pequenos clubes, e o Santa Cruz, sobre a questão das igrejas evangélicas no Brasil, foi fundamental. Nesses documentários, dirigidos por meu irmão (João Moreira Salles), esses universos foram tratados de maneira surpreendente, muito diferente dos retratos feitos pela televisão ou mesmo no cinema. Desde a largada, a gente também tinha a idéia de falar de uma família sem pai, um pouco como já havíamos tratado em Terra estrangeira. Talvez por causa das muitas dificuldades que enfrentamos no desenvolvimento do projeto, o filme se converteu num esforço eminentemente coletivo. No início feito a quatro mãos, depois a seis com a entrada fundamental de George Moura (coroteirista), e logo dez, doze... O roteiro foi repensado várias vezes, fizemos frente a diversos obstáculos – um pouco como aqueles que afetam os personagens do filme –, que a gente teve a obrigação e o desejo de sobrepujar.
DANIELA THOMAS: Sempre que o Waltinho me chama para um projeto fico muito feliz, em primeiro lugar porque o cinema é uma paixão, e, em segundo, porque o tipo de cinema que mobiliza o Waltinho é aquele que nos dá a oportunidade de conhecer lugares e pessoas que, de outra forma, não teríamos como conhecer. Trabalhando assim, o cinema passa a ser um exercício de autodescoberta, uma forma de se melhorar, de tentar entender porque se está em determinada situação, que país é esse, quem somos nós. E, sobretudo, tentar olhar para o outro.
Por que o título, Linha de passe?
DANIELA: A idéia da “linha de passe” é o cerne desse projeto, isto é, a idéia de você ter a quem olhar do seu lado, ter um irmão, ter a possibilidade de olhar para o lado e ter o apoio do outro. “Linha de passe” é essa bola que não pode cair. O título foi pensado logo no começo e está na origem do filme e na forma com que ele foi realizado.
Como foi escolhido o elenco?
DANIELA: A preocupação central da gente foi transmitir algo para além da imagem e da fala. O talento dos atores escolhidos é inequívoco, mas houve uma preocupação de que se visse aquela família e acreditasse: eles são irmãos. O Vinícius, como era nosso primeiro ator, foi o eixo para a escolha dos irmãos e da mãe. Foram vários testes feitos pela equipe da Fátima Toledo.
WALTER: Quando você pensa um filme, é essencial traçar uma lógica própria àquela narrativa. Já que essa era uma história que falava de desejo de pertencimento, de reinvenção, nos pareceu importante que isso também acontecesse com os atores que estavam entrando nessa aventura conosco. Ou seja, tinham que ser rostos novos, atores que tivessem a disponibilidade de ficar meses mergulhados num processo de pesquisa de personagem, para o qual a participação de Fátima Toledo foi fundamental. Nas filmagens, tentamos estar em perfeita osmose com o elenco e dar liberdade, por exemplo, para que um ator evoluísse como quisesse dentro do quadro. Não havia duas tomadas iguais. Como vocês chegaram a Cidade Líder, onde está situada a casa da família?
DANIELA: Assim que a gente definiu a espinha dorsal da história, eu e o George Moura fomos localizar o roteiro em São Paulo, tentar dimensionar o filme numa cidade desse tamanho. E a primeira coisa que a gente fez foi uma pesquisa de locação para o roteiro. Naturalmente, apesar de morar em São Paulo e achar que a conhecia na palma da mão, encontrei uma cidade que desconhecia. Até que achamos Cidade Líder e nos apaixonamos por esse lugar. Lá a gente encontrou a casa, no limite do asfalto. Logo depois da casa, começa uma quebrada onde você tem uma visão extensa da cidade de São Paulo – ou melhor, de um dos cantos da cidade de São Paulo. Encontramos vários lugares nessa primeira investida que ficaram no filme até o fim. Os campos de futebol, a casa da Bianca (mãe do filho de Dênis), a casa dos meninos, e algumas das principais avendidas que a gente filmou. Ali começou a se delinear o personagem da cidade de São Paulo – que é um sexto personagem dessa trama.
Como foi filmar no trânsito de São Paulo?
WALTER: A idéia do movimento está na gênese do filme. A própria idéia da linha de passe pressupõe que a bola viaja de um personagem para o outro. Não havia como facilitar nessa parte: a gente sabia que ia filmar ônibus e motocicleta no meio do trânsito da cidade. Em boa parte das cenas, os carros que estão passando em quadro realmente estavam passando ali. Isso é o resultado da conjugação do talento do Mauro Pinheiro, nosso jovem diretor de fotografia, e da cabeça de José Gomes, um maquinista que sempre tem as soluções mais simples para os problemas mais complexos e que transformou duas motocicletas em verdadeiros dollys (carrinhos para “carregar” a câmera).
Qual a maior dificuldade de se filmar um jogo de futebol?
DANIELA: As filmagens do jogo do Corinthians que abrem o filme ocorreram no Morumbi, em um dia de jogo mesmo. E foi um jogo dramático, porque o Corinthias estava para ser rebaixado. A torcida estava muito estressada, e tinha comparecido em peso. O estádio estava lotado. Tivemos o privilégio de observar um jogo em que as emoções estavam especialmente exacerbadas. O que também foi apavorante, principalmente pra quem estava no meio das arquibancadas, como eu. A gente fez uma cobertura muito extensa do jogo. Havia várias câmeras em campo e dentro das duas torcidas. Filmar essa partida foi uma das coisas mais incríveis que já vivi. Futebol não é brincadeira, e só ali senti o que é de verdade.
WALTER: As torcidas ajudaram, e muito. A gente pediu autorização, evidentemente, para estar ali. O Raí, que é um cara super inteligente e generoso, ajudou a abrir as portas no São Paulo. No jogo do Morumbi, tudo é filmado no instante, claro. Filmar no calor do momento remete novamente ao documentário. Gosto muito do cinema feito assim, porque ele só é possível daquela maneira, ele faz com que você vá junto com o rio. Como no jogo do Morumbi: noventa minutos depois o filme terá mudado e você não sabe para que lado. Não há roteiro que permita prever aquilo. E a tensão inerente ao início do filme é a tensão daquele jogo.
fonte:
http://www.paramountpictures.com.br/linhadepasse/
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